Mas, afinal, ainda existem estações do ano?”
Esta é a pergunta que recebo com mais frequência, desde que escrevi o livro Regenerar – Manual de bem estar para viver com as estações do ano, editado pela Marcador.
A resposta é sim, ainda existem quatro estações no ano – apesar de aparentemente parecer que existem apenas duas.
No entanto, compreendo porque é que esta pergunta me é realizada com tanta frequência.
Talvez porque nas empresas, escolas, automóveis, transportes públicos, grandes superfícies ou nos nossos lares, é possível manter durante todo o ano a mesma temperatura ambiente com uma precisão suíça. O que não permite sentir as variações de temperatura mais subtis ao longo do ano. Só são assim notórias estas diferenças quando são extremas – quando está muito frio ou muito calor.
Apesar da luz solar variar durante todo o ano, hoje é possível criar um sol artificial onde quer que estejamos, consoante as nossas necessidades. Neste processo habituamos o nosso sistema nervoso a uma existência que tem muito pouca variabilidade em termos de luminosidade.
Se há cerca de 40 anos só era possível comer laranjas em determinados períodos do ano, hoje é possível – salvo alguma excepções – comprar cerejas ou morangos no outono, uvas na primavera ou vegetais originários de outros continentes, sem ser necessário esperar pela estação correspondente. Se no hipermercado mais próximo de si procurar descobrir a estação do ano em que está, pela disponibilidade e variedade de “frutas e vegetais sazonais” ai existentes – acredito que será um desafio considerável.
Ainda se lembra da última vez que colheu uma fruta directamente da árvore?
Esta constância, que poderá habitar os nossos dias e que se destina a fornecer mais conforto, criar mais produtividade ou permitir ter, sempre disponíveis, a variedade de alimentos que desejamos, mina a nossa capacidade orgânica de observar as pequenas mudanças graduais e subtis, que nos indicam que as estações estão a mudar.
Cria-se assim uma bolha de protecção que nos impede de sentir a impermanência que se passa fora dela.
Para nós adultos este cultivo da permanência destina-se a trazer-nos conforto, previsibilidade e segurança. No entanto, esta constância enfraquece-nos também dia a dia. É na diversidade que o sistema nervoso humano ganha resiliência, à medida que se adapta aos vários desafios físicos e emocionais que a natureza lhe propõe.
E as crianças tal como os adultos não são excepção.
Na Medicina Chinesa existem cinco factores climatéricos: vento, calor, humidade, secura e frio. É o contacto com estes elementos, ao ritmo das estações, que encerra o poder de fortalecer o corpo e tornar as emoções mais estáveis.
Ao evitar o calor no Verão, utilizando o ar condicionado, está a privar o corpo de transpirar. Esta é uma das reações fisiológicas naturais que permitem ao corpo baixar a sua temperatura no verão. Com o tempo e a utilização massiva destes dispositivos de refrigeração o organismo perde a capacidade de manter uma temperatura estável por si mesmo. Recorre-se assim a água fria, sumos e bebidas frescas ou mesmo aos gelados. Estas soluções, paradoxalmente, criam ainda mais calor interno em quem os consome, criando um ciclo vicioso infernal nos dias mais quentes.
Na Suécia existe a tradição de os bebés, a partir das duas semanas, dormirem a sesta ao ar livre com temperaturas abaixo de zero. O mais comum são os -10°C, mas facilmente as crianças são expostas a temperaturas mais baixas. As sestas duram entre 30 a 90 minutos e podem acontecer uma a duas vezes por dia.
A sabedoria tradicional ensina-nos que não é evitando um fator climatérico ou uma estação que estaremos mais protegidos e seremos mais saudáveis, mas sim permitir que o corpo se exponha aos factores considerados agressivos e deixar que este naturalmente e gradualmente se adapte e se fortaleça.
Viver em harmonia com as estações do ano não se limita no entanto, segundo a sabedoria oriental, aos factores climatéricos. Para além do contacto com o ar livre adicionam-se mais dois: a alimentação com ingredientes de qualidade e o repouso. Estes creem-se ser a chave para a saúde do adulto e da criança e que podem mudar radicalmente o estado físico e emocional de ambos, quando são integrados no dia a dia familiar.
A alimentação sazonal
Para além de uma dieta que não inclui alimentos processados, esta tem também uma proveniência de cultivo baseado na agricultura biológico. É tempo de voltar aos mercados e observar a fruta, leguminosas e vegetais da época. Estes alimentos, tal como o nome indica, auxiliam-nos a estar adaptados ao momento presente. Se a criança tem demasiado frio no inverno ou no outono, uma das razões poderá ser a utilização de alimentos que correspondem às estações mais quentes. Frutas tropicais como a banana, abacates, mangas, papaias, ananases são frutas que arrefecem o corpo, por isso nascem no seu estado natural em países quentes. Consumi-las, num clima frio, será para o corpo como estar no país da sua proveniência e por isso arrefece internamente. O seu consumo a longo prazo pode dar origem constipações e gripes recorrentes e desnecessárias. Voltar ao mercado ou a lojas que seguem os princípios de comercialização de produtos da época, para além de ser uma actividade em família, desenvolve na criança a noção de uma alimentação sazonal que tem por detrás pessoas e processos de cultivo naturais e desmonta a crença de que o alimentos crescem nas prateleiras dos hipermercados.
Repouso
Durante o ano a quantidade de luz varia consoante o ciclo solar e esta variação induz a que como seres humanos – tal como os animais – descansemos mais ou menos consoante as estações. O sono é o anti-inflamatório mais barato do mercado. Dormir as horas necessárias aumenta os níveis de atenção e imunidade da criança. Este descanso deverá ser mais no Outono e Inverno e moderado na Primavera e Verão. Depois da invenção da luz eléctrica o ser humano reduziu consideravelmente as suas horas de sono. A invenção das luzes de tecnologia LED veio reduzir ainda mais este período de descanso. Por possuirem uma frequência luminosa chamada “luz azul” vão dar a informação ao sistema nervoso humano que ainda é dia e a melatonina, a hormona que induz a sensação de sono, não é segregada. Por fim, quando as luzes se apagam definitivamente, esta hormona poderá demorar até duas horas a ser segregada. Se a(s) sua(s) criança(s) têm uma energia imparável à noite, experimente depois do jantar desligar todas as luzes que têm esta frequência. Estão incluídos, computadores, tablets, smartphones e televisões. Se mesmo assim prefere luzes com a tecnologia LED é recomendado que sejam utilizadas luzes com uma tonalidade mais amarela. Como atividade familiar experimente limitar a utilização destes aparelhos, reduzindo também a luz ambiente, não só para a criança, mas para toda a família. Poderá ser surpreendente a hora a que o João Pestana lhe bate à porta nessa noite.
Educar com as estações
É hoje um dado assumido que na maioria dos instituições prisionais os reclusos beneficiam de mais tempo de ar livre e luz solar do que as crianças têm acesso na maioria das instituições de ensino. Este contacto revela-se cada vez mais importante pela capacidade que tem de relaxar o sistema nervoso, fortalecer o sistema imune e como uma alternativa saudável de desconexão do virtual. Todos nós temos a experiência na primeira pessoa ou por observação nas crianças, do efeito que pode produzir um dia de praia, de campo ou de caminhada na floresta.
Educar pela natureza requer ultrapassar a resistência em sair da área de conforto. Nesta resistência estão os medos de que diferença de temperaturas possa adoecer o incapacitar, que o contacto com a natureza possa reduzir tempo de estudo “útil”, trazer sujidade e quebrar a assepsia que se pensa proteger-nos de todos os males, que uma alimentação mais natural baseada exclusivamente em produtos sazonais seja insuficiente e que isso resulte em carências a nível nutricional ou, ainda, o desafio que pode ser para o pais desconectar e desligar após o jantar, e que como esta incapacidade vai contaminar a criança com agitação e dificuldade em adormecer, que se reflecte em distúrbios comportamentais e défice de atenção no dia seguinte ou de forma crónica, se esta exposição for continuada.
Para isso não basta criar as condições para que as crianças possam usufruir desta relação próxima com a natureza, que permite reconhecer dentro e fora delas as estações do ano. Inclui também a proposta para cada um de nós, que se assume como educador, de dar o exemplo e o primeiro passo – para que possa conduzir este processo em segurança. Passa por aceitar o convite de incluir na sua vida mais tempo na natureza, uma alimentação sazonal e sustentável e um respeito sagrado pelos seus próprios ritmos. Para que seja possível inspirar aqueles que estão ao seu cargo a uma viagem que, no futuro, permita que sejam também estas as prioridades e valores que vão desejar viver.
Boas práticas.
Este foi escrito por mim e foi publicado na Kids Marketeer de Março de 2018.