“My head is giving me life or death, But I can’t choose” – Foo Fighters – The Best of You
É Longe…
Em Junho de 2003 viajei para Amsterdão naquele que seria talvez um evento chave na minha vida.
Fui estudar com Peter Den Dekker, um professor que trabalhava a quietude como prática principal de Chi Kung, e isso mudou tudo.
Durante essa estadia soube que vivia aí um autor que admirava, Stephen Birch, e soube também que ele ensinava Acupuntura em Amsterdão num curso de 9 meses.
Lembro-me ainda hoje da energia com que me levantei da cama e como pedalei de bicicleta para me inscrever nesse curso. Assim como ainda me lembro da luminosidade e temperatura do ar desse dia.
Lembro-me também que a distância, o valor e se tinha certificação nem me ocorreram como perguntas principais.
Inscrevi-me e pronto.
Chegado a Portugal foi a primeira vez que pedi um empréstimo a uma entidade bancária – para o curso, para um computador e para um colchão.
Durante 9 meses viajei um fim de semana por mês para realizar este curso e até hoje pelo menos 10 portugueses já realizaram este percurso nestes mesmos moldes.
A maioria antes sequer de se saber se a acupunctura seria ou não certificada.
Um dos professores que ensinava neste curso, o Alexander, era Suíço, tinha também realizado este curso nos anos 90, mas nos Estados Unidos – o mesmo regime – uma vez por mês todos os meses.
O que me remete à história do Francisco Varatojo que nos anos 70 arrancou de bagagem feita para estudar no Instituto Kushi em Boston. Com as poucas economias que tinha, para bem longe. Qual certificação? – Macrobiótica nos anos 70 em Portugal, certificação?! estão a ver não é?
É Caro…
Decerto que já lhe aconteceu ir na rua e alguém pedir-lhe uma contribuição monetária por lhe estacionar o automóvel, para a comida, para uma deficiência. É fácil a resposta sair sem se pensar – “Desculpe mas não tenho dinheiro” em vez de “Desculpe mas não quero contribuir para o que me pede.”
Falar de preços e valores é um assunto delicado, a expressão de ser caro demonstra frequentemente a última linha de defesa no sentido de justificar “a público” ou ao formador que não queremos realizar o que é proposto. Em vez de “Desculpe mas não quero contribuir para o que me pede.” diz-se “É caro, não posso”. No artigo 6 Things They Mean When They Say They Have No Money a blogger Naomi Dunford refere este assunto delicado de uma forma que considero muito inteligente, resultado da sua experiência como criadora de cursos.
Quando é mesmo importante e existe a percepção que financeiramente pode ser desafiante procuram-se soluções fora de nós: pedem-se empréstimos, negoceia-se com o formador meios alternativos de pagamento, vendem-se objectos que temos a mais, cria-se um crowd funding, concorre-se a bolsas, propõem-se trocas, fazem-se horas extras nas férias, pede-se ajuda aos amigos.
Também conheço pessoas que ficaram “em terra” por não terem os cifrões necessários para estudar o que muito desejavam.
Mas depois há dois grupos que surgem daí
- Os que acabam por alguma forma, meses ou anos depois, conseguir reunir recursos para seguir o seu sonho que nunca se apagou.
- Os que no mês seguinte estão já noutro caminho – o que revela também que não era por aí.
O meu professor de Chi Kung Peter Den Dekker estudou durante 20 anos em Londres, um fim de semana por mês, às vezes mais. Partilhava comigo que o dinheiro que investiu durante este tempo daria para construir uma mansão gigante.
p.s. Esta partilha foi expressa sem qualquer ressentimento.
É Certificado…
Em Junho de 2018 eu e a Marta sentámo-nos à mesa para falar, sentar-se à mesa aqui em casa significa que existe algo muito importante para ser conversado.
O assunto foi: “Devemos ou não certificar os cursos Regenerar?”. Uma semana depois a nossa resposta foi que não, que não íamos certificar.
Como dizia o Mestre Lam “Já estudo há 40 anos com o Professor Yu e ele nunca me passou nenhum certificado e provavelmente rir-se-ia às gargalhadas”.
Aqui em casa chegámos a uma conclusão, na nossa reflexão sobre a certificação: Se o motivo principal da realização do referido curso fôr este ser ou não reconhecido, esta é uma escolha mental e não uma escolha visceral.
É mental porque necessita de alguém que se responsabiliza pala escolha – uma entidade certificadora que diga que o curso é bom. E que não basta isso ser publicitado por quem promove o referido curso, mas alguém tem de nos assegurar que é mesmo assim.
Sim, passamos certificado no final de cada ano mas é o nosso e certifica que para além das horas realizadas connosco este aluno está alinhado com este propósito de escolha mais visceral, que escolhe por ele, pelo que acredita que é bom para si e não porque alguém lhe diz o que deve consumir.
O que está tudo bem na mesma, mas a porta de entrada é diferente e a mentalidade destes alunos também.
A reter: Se for visceral o Longe, o Caro e a Certificação estão em segundo plano.
Juntando tudo
Quando se avalia a realização ou não de um curso segundo estes três parâmetros como impedimento poderá significar uma dependência de três necessidades.
- Conforto – ser longe implica viagens, dormir em sofás, climas e pessoas diferentes e essencialmente o imprevisto. Ser longe também implica sair do casulo, rasgar conceitos e preconceitos e criar autonomia de decidir onde começam e acabam os nossos limites.
- Segurança – quando é caro todos os tostões contam e a segurança que o dinheiro poderá representar nas nossas vidas diminui consideravelmente. Significa que poderá ter de realizar escolhas difíceis no sentido de simplificar ou excluir o supérfluo e ficar efectivamente com o essencial. Pode também significar uma melhor utilização dos recursos monetários, de uma maior consciência do que afinal importa e do que é necessário para o seu crescimento pessoal.
- Reconhecimento – Em Junho de1998 estava numa pilha de nervos antes da entrevista para o acesso à escola de Medicina Tradicional Chinesa. Fui beber um chá para “fazer tempo” com uma amiga que entretanto encontrei ali perto e a quem tive de explicar o que era acupuntura e que queria investir os meus próximos 5 anos em algo que não me dava um diploma oficialmente reconhecido e que pouca gente sabia o que era. Olhando para trás esta foi claramente a minha pré entrevista de motivação que definiu se era por mim ou pelo diploma que queria realizar este curso.
Os melhores cursos que alguma vez já realizámos e as pessoas mais importantes das nossas vidas, pessoas com quem estudámos, e algumas com quem ainda continuamos a estudar não são certificadas oficialmente, algumas requerem valores que para nós são consideráveis e algumas nem vivem em Portugal.
Não queremos dizer que esta seja a única forma de aprender, tem a ver mais uma vez com o tipo de escolha que serve de motor às nossas vidas, uma escolha mental, que nos dá um conforto, segurança e reconhecimento ilusórios ou uma escolha visceral que apesar de assustadora é também bastante libertadora, onde a curiosidade de descobrir os próximos passos tem um papel central e que fica para toda a vida.
Talvez por isso ficamos sempre satisfeitos quando temos inscrições nos nossos cursos que vêm de Lisboa, Espanha, Algarve e já tivemos mesmo alguém que veio da Califórnia para passar uma semana connosco em práticas intensivas.
Vale a pena fazer o jogo de faz-de-conta e pensar como seria a Macrobiótica em Portugal se o Francisco Varatojo optasse por pensar que viajar para Boston era Longe, Caro e não lhe dava nenhuma Certificação.
E vale a pena também reflectir se as grandes mudanças da sua vida não aconteceram quando foi mais longe do que o que achava possível, saiu da sua área de conforto, ou reinventou as suas necessidades de segurança para criar mais autonomia, ou ainda, agiu pelas suas convicções no sentido de caminhar no sentido que considerou mais importante para a sua felicidade e sustentabilidade pessoal.
Boas práticas, boas viagens.
Este artigo foi dedicado a todos os formadores e colegas que se deparam com a angústia no momento de colocar os preços nos seus cursos ou sentirem-se inferiorizados em relação a outros cursos mais profissionais. Como dizia o Mestre Li – “Os Alunos querem bons Mestres, mas os Mestres também querem bons alunos”.